O Sobrinho

Ao ouvir os apelos do mundo, torna-se difícil fazer a reconciliação entre a minha vontade e a vontade do outro. Já sem falar que nos esquecemos de parar um pouco para pensar na Sua vontade, a vontade que move, que empurra e arrasta! É tão mais fácil entrar nos facilitarismos do mundo e esquecermos que também temos uma relação com Ele que tem de ser cúmplice, fiel, próxima e de união plena. Esta forte ligação, terá que ser fundada na relação de primogénitos de um Pai que a todos ama como uma Mãe. Que estabelece uma cadeia umbilical com cada um e nos mostra, na vida vivida a valer, que ser nosso Pai e Mãe é a Sua prova de amor. Que nos revela em cada gesto um rosto firme de Pai e um embalo aconchegante de Mãe.

Talvez nos seja difícil perceber o porquê deste pai que a parábola nos apresenta, perdoar desta forma o seu filho. Mas não vos quero falar disto! Vos falar-vos do outro filho. Sim, daquele filho fiel a seu pai que apenas espera a sua recompensa! Mas qual recompensa? Fará sentido esta espera? Julgo não mentir se disser que cada um de nós sentiria esta mesma desilusão ao ver alguém que partiu, voltar de mãos vazias e “passando à frente” daquele que a cada dia esteve ali a lutar. Aquele que suou, trabalhou, lutou, fez caminho sempre dentro daquilo que lhe era pedido. É muito complicado perceber como este abraço de pai ultrapassa juízos de valor e vai mais além. Mostra-nos um perdão divino daquilo que mundanamente nos é difícil de conseguir. É um acto de ousar ser diferente…

Mas este irmão mais velho não se quer envolver nesta alegria. Procura a solidão como seu auxílio e vê na sombra um porto de abrigo. É tão fácil esconder a nossa dor e lágrimas na raiva. Fazer os outros pensar que estamos de mal com a vida, quando aquilo que sentimos é que a vida está de mal connosco. Aquilo que este irmão mais velho sentiu pode ser chamado de ciúmes, mas acredito que não seja isso. Acho que ele percebeu que o lugar do seu irmão era ali a seu lado! Também ele terá ficado feliz com esta notícia, mas o seu coração doía-lhe demais para admitir isso. Doía por um amor que também era igual ao de seu irmão. Talvez também quisesse sentir aquele doce abraço de seu pai. Por uma vez sentir que também estava ali apenas para fazer a sua vontade e mais nada!

Recordo também que este pai, mesmo no meio da festa, vem cá fora para consolar esta ovelha agora sem pastor. Uma ovelha perdida em sentimentos! Uma ovelha que busca a comunhão que todos procuramos a cada dia. Vejo também que existe um empregado que de certo modo o convida à comunhão! Quantas vezes precisamos nós de ser convidados para percebermos que somos eternos eleitos de uma lista que vem do amor de Deus por cada um.

Hoje esta Palavra que nos é trazida, é rica demais para ser tratada em meros parágrafos de papel. É rica de interpretações. Cada um é convidado a entrar em cada uma das personagens que compõem esta parábola. Podemos ser qualquer uma delas. Todas elas são partes de nós ao longo das nossas vidas. São fragmentos de uma história que só faz sentido quando caminhamos lado a lado.

Podes ser o pai que acolhe e perdoa; podes ser o filho pródigo que arrependido pede perdão; podes ser o irmão mais velho que sempre se manteve fiel e que não percebe seu irmão ser assim recebido; podes ser o empregado que convida a entrar nesta alegria…

Podes ser cada um deles! Claro que nos podemos sentir mais um que outro, mas busquemos perceber realmente que papel temos neste mundo faminto deste abraço reconciliador de Deus…